Querido diário,
Hoje eu queria que a minha cidade tivesse um café aconchegante, com uma música calma tocando ao fundo, para que eu pudesse escrever esse texto. Pensei em algumas alternativas, mas todas traziam algum tipo de desconforto do tipo música alta ou muita gente.
Meu objetivo era só sair de casa.
Como decidi não ir à academia, queria ter um ambiente diferente do que minha casa para escrever.
Tenho um sonho muito distante de ter um café ou um bar de conceito aberto, para que eu possa concretizar fotografias mentais que habitam minha mente de vez em quando.
Se um dia eu ficar rico, possivelmente terei um empreendimento assim. Não preciso que seja financeiramente viável. Só quero um lugar bonito, calmo, para beber meu café ou vinhos, comer bolo de cenoura e pão de queijo, onde eu consiga olhar a rua e ver a vida passar, sem me preocupar, enquanto planejo nossa próxima viagem, escrevo alguma coisa ou edito fotografias antigas.
Mas hoje não.
Hoje pedi uma pizza e abri uma garrafa de vinho. Em casa mesmo.
Claro que não bebi toda a garrafa, pois já faz tempo que os hábitos franceses já não habitam o meu corpo.
Pela manhã, encontrei uma amiga que mora no exterior e que veio ao Brasil especialmente para me visitar — mentira.
O assunto de hoje deveria ser sobre um dos filmes que comentei no último diário, mas como eu não preciso cumprir com qualquer promessa que eu faça para uma página de diário, pode ser que fuja um pouco. Vamos ver.
Em algum dos anos passados, assiti ao filme “HER”, o qual conta a história do relacionamento de um homem um uma inteligência artificial. E como nos últimos dias — estou escrevendo isso em março de 2023 — a internet está lotada de novidades sobre esse tipo de tecnologia, resolvi trazer alguns pensamentos sobre o tema.
Inteligências artificiais não devem ser antropomorfizadas, porque elas não são pessoas.
Nós, humanidade, temos o péssimo hábito de acreditarmos que somos o centro do universo. Até existe um nome pra isso — Antropocentrismo.
Por acharmos que somos os orgãos sexuais da galáxia — vamos ser democráticos aqui — costumamos transferir nossas características físicas e emocionais para outras entidades, sejam elas vivas ou não.
Damos olhos para robôs que não enxergam. Colocamos cílios em faróis de carros para transformá-los em uma máquina do mal e até damos nomes próprios para eletrodomésticos. Tipo o Aécio, aspirador de pó aqui de casa.
Afinal, adoramos transformar as coisas em algo que se pareçam com pessoas, porque nos amamos muito. Somos o umbigo do universo.
Até inventamos divindades, as quais acreditamos que fizeram a mesma coisa: transferiram sua imagem e semelhança para um objeto inanimado e depois deram o sopro da vida.
Sei que existe teoria científica para isso, mas não quero ser científico hoje. Estou escrevendo em um diário, pelo amor de deus.
Mesmo antes de pensarmos que alguma forma de inteligência artificial pudesse ser verdade, demos traços humanos para elas.
O fato é que, as diversas formas de inteligência artificial que temos hoje, não são, conceitualmente, inteligentes. Por limitarmos nossa experiência de mundo à interações linguísticas, uma inteligência artificial que crie objetos os quais possuem uma semântica muito boa para nossas necessidades, acaba nos confundindo e nos faz acreditar que estamos interagindo com algum tipo de inteligência humana.
No filme, a inteligência artificial tem o objetivo de ser, de certa forma, o mais útil possível para seu dono, criando um relacionamento de dependência no qual o personagem é incapaz de distinguir se a tecnologia é uma pessoa ou não. Sobre esse ponto é possível observar diversas complexidades sobre relacionamentos e interações dominadoras e tals, mas vou me manter no limite da tecnologia.
E será que chegaremos a tal ponto no futuro?
Acredito que sim.
Hoje temos algumas ferramentas muito impressionantes, como o ChatGPT. Um modelo de linguagem capaz de interagir com as pessoas sobre diversos assuntos por meio de uma caixa de texto em um site. Ainda estamos na vanguarda do que é possível ser construído.
Existem diversas vantagens e diversas desvantagens no aprimoramento de tais tecnologias.
Algumas aplicações vantajosas seriam tipo, um bate papo para idosos que não tem mais com quem conversar. Um assistente virtual para Alzheimer. Diagnosticos rápidos de doenças. Tradutores de sinais corporais de pessoas com algum tipo de limitação física para determinada linguagem.
Ao mesmo tempo, veremos a atrofia acelerada de capacidades cognitivas que nos tornam essencilamente humanos. Tô falando da criatividade.
Em vez de utilizarmos a tecnologia como um potencializador de nossas habilidades, assim como um exoesqueleto pode ser útil para um corpo, frequentemente escolheremos substituir nossas produções por algo sintético, mas convincente.
Preferimos fazer isso porque é mais fácil — ora ora Sherlok.
Lidar com a realidade é difícil e doloroso. No filme essa mensagem fica clara. Se tivermos alguém que concorde conosco em todos os aspectos, por que nos relacionaríamos com pessoas que são tão particularmente diferentes de nós?
Enfim, é um tema que podemos ficar horas falando e se você quiser conversar sobre isso, deixe seu comentário.
Até a próxima.